sábado 28 de diciembre de 2024
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Neoliberalismo, concentração de renda e pobreza: o caso da América Latina

Sao Paulo (Dialogos do Sul): Redução do papel do Estado na economia, privatizações desenfreadas, desregulamentação e liberalização dos mercados. Essas são algumas das características do neoliberalismo, uma brutalização do sistema capitalista que tem deixado marcas profundas, no mundo de um modo geral, e em particular na América Latina.

Por Verbena Córdula

Cada dia mais nossos países têm amargado com as políticas de ajuste estrutural, como as que estamos presenciando na Argentina de Javier Milei. A redução dos investimentos públicos têm resultado em cortes nos setores essenciais, tais como saúde e educação, e afetado mais duramente a população pobre.

O neoliberalismo começou a ser adotado na América Latina durante os anos 1970 e 1980, em um contexto de mudanças econômicas globais e pressões financeiras internacionais.

Surgiu como uma espécie de “resposta” às diversas crises econômicas e ao fracasso do modelo de Estado de Bem-Estar Social no final do século XX. A ideia era uma reorganização das estruturas econômicas e sociais, a partir da exaltação das chamadas “liberdade individual”, “livre iniciativa” e “minimização da intervenção estatal na economia”.

E por que digo chamadas “liberdade individual”, “livre iniciativa” e “minimização da intervenção estatal na economia? Simplesmente porque esses conceitos são aplicados ao bel-prazer de quem detém e controla o capital. Sim, isso mesmo.

Para os neoliberais, a liberdade individual se manifesta a partir da defesa dos direitos civis e políticos dos cidadãos, como liberdade de expressão, liberdade de religião, liberdade de associação e liberdade de imprensa, essenciais para garantir a participação democrática e o pluralismo de ideias em uma sociedade livre.

Do ponto de vista econômico, essa liberdade individual se caracterizaria pela defesa da liberdade econômica e do livre mercado, de modo que os indivíduos possam ter assegurado o direito de buscar seus interesses econômicos de forma livre e voluntária, sem interferência do Estado. Isso inclui o direito de escolher onde trabalhar, o que comprar e vender, e como investir seu dinheiro.

Liberdade para quem?

Tudo muito interessante, na teoria. Só “esqueceram” de avisar que o mercado é controlado por grandes conglomerados, atualmente manipulado pelos grandes fundos de investimento, como o famoso BlackRock; que a imprensa é controlada por grupos hegemônicos, detentores de capital, os quais ditam o que, a partir de qual perspectiva e quando “necessitamos” nos informar; e, esqueceram de avisar, principalmente, que quem apenas possui a sua força de trabalho e precisa se submeter ao capital, está longe de escolher onde trabalhar, o que comprar, e, portanto, reivindicar “liberdade individual”. De fato, se lançar mão dela, infelizmente passará fome.

No âmbito político, os neoliberais defendem o Estado mínimo e a promoção da democracia representativa, argumentando que a limitação do poder estatal promove a liberdade individual e a autonomia dos cidadãos, ao mesmo tempo em que favorece a eficiência na alocação de recursos.

“Esqueceram” de enfatizar que esse Estado mínimo se refere unicamente à alocação de recursos públicos para prover a cidadania de serviços essenciais como educação, saúde, infraestrutura, cultura, esporte e lazer, porque quando é para os recursos públicos servirem de “incentivadores” da iniciativa privada, por meio de linhas especiais de crédito, com prazos de pagamentos e juros abaixo do mercado, ou com isenções de impostos, por exemplo, nestes casos não está mal.

E, no que se refere à democracia representativa, também “esqueceram” de dizer como os detentores do capital dão seus “empurrõezinhos” às mais diversas candidaturas (seja ao Legislativo ou ao Executivo), garantindo suas contrapartidas aos futuros vencedores.

Não à toa vemos como os grandes conglomerados nacionais e estrangeiros se beneficiam dos Estados, sejam em períodos de crises econômicas,  ou em período de certa estabilidade. Um exemplo muito nítido, no Brasil, são os mais de 30 bilhões de reais que o governo destinou ao que chamou de Plano safra da indústria, montante destinado a créditos e subsídio. E se duvidar, os neoliberais ainda querem mais. No entanto, não há recursos para repor as perdas salariais do funcionalismo federal.

O neoliberalismo, como podemos ver, está associado à ideia de individualismo e competitividade. Sua característica principal, poderíamos dizer, é a ênfase no lucro e na maximização dos interesses individuais (dos grandes detentores de capital). Esse modelo tem levado à mercantilização da saúde, da educação, da cultura; criado dificuldades para aquelas e aqueles que não podem pagar esses e outros serviços; mas, sobretudo, tem levado, sem nenhuma dúvida, a um deterioro social, caracterizado, sobretudo, pela ampliação das desigualdades, e a falta de laços sociais.

Neoliberais latino-americanos

Vários governos na América Latina podem ser considerados os pioneiros na implementação dessas políticas neoliberais em nossa região. Um dos primeiros países foi o Chile, governado pelo ditador Augusto Pinochet, a partir de 1973. Sob a influência dos Estados Unidos, a partir de economistas da Escola de Chicago, liderados por Milton Friedman, o governo de Pinochet privatizou, desregulamentou os mercados, sobretudo abriu ao capital estrangeiro, reformas conhecidas como “El Modelo”, que tiveram vários impactos negativos para a sociedade chilena, principalmente.

O México, governado por Miguel de la Madrid (1982-1988) e Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) também adotou o mesmo modelo. Implementou políticas de abertura comercial, privatizou empresas do Estado, num programa que chamaram de “neoliberalismo pragmático”, porque, segundo seus idealizadores, buscava atrair investimentos estrangeiros e modernizar a economia daquele país.

Aqui no Brasil, o neoliberalismo foi implementado durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990 a 1992), que promoveu a liberalização dos mercados, privatizações, desregulamentação e abertura comercial. O plano econômico implementado por Collor, o “Plano Collor”, teve consequências drásticas para a população, com o congelamento de ativos financeiros e a queda abrupta no poder de compra da moeda nacional. Além disso, o governo promoveu uma entrega nunca vista das empresas estatais à iniciativa privada, vendendo várias empresas como o de telecomunicações, siderurgia e mineração, que geraram, mais que tudo, concentração de poder econômico em poucas mãos.

Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e Jair Bolsonaro também adotaram políticas muito parecidas, sobretudo a abertura comercial, a flexibilização das leis trabalhistas e a redução do papel do Estado na economia.

E os governos do PT, tanto de Lula, como Dilma Rousseff, nada fizeram para reverter.

Sob a presidência de Carlos Menem (1989-1999), o neoliberalismo foi adotado na Argentina de forma mais feroz, através de políticas de privatização em larga escala, desregulamentação do mercado financeiro e abertura comercial, acompanhadas por uma equiparação do peso argentino ao dólar americano, que inicialmente foram elogiadas pelo fato de estabilizar de modo artificial a economia argentina, mas que, em seguida, justamente por essa superficialidade, geraram impactos desastrosos no país, vide a crise de 2001.

Na atualidade, o presidente Javier Milei retoma, de forma ainda mais brutal que Carlos Menem, essas fórmulas neoliberais, que ele denominou de “libertárias”, a partir das quais tem deixado de investir recursos públicos na manutenção das pessoas aposentadas, que atualmente vivem a pior crise da história do país, com salários que não cobrem, minimamente, suas necessidades mais básicas, tais como pagar o aluguel e comprar comida.

O governo de Milei tem deixado pessoas em situação de vulnerabilidade ainda mais vulnerabilizadas, dado que tem cortado subsídios que ajudavam a mantê-las. O país amarga os piores índices de pobreza das últimas décadas (57,5% da população é pobre), enquanto o governo gasta recursos públicos adquirindo aviões de guerra obsoletos que custam uma fortuna.

O governo de Milei demitiu 20 mil servidores e servidoras da administração pública; as universidades federais estão para fechar as portas, porque Milei as deixou com um orçamento defasado, que mal dá para assumir os gastos com a energia elétrica;  o organismo similar à nossa Ancine, o Incaa, responsável pela política de cinema e audiovisual do país foi desativado; as obras de infraestrutura levadas pelo governo federal em todo o país foram interrompidas; pequenas e microempresas estão fechando a rodo, deixando centenas de famílias desempregadas.  Um verdadeiro desastre!

É importante salientar que todas essas medidas foram/são orientadas e exigidas por organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, como condição para a obtenção de empréstimos e assistência financeira, os quais convertem todos esses países em eternos dependentes dos países capitalistas centrais, liderados pelos Estados Unidos, pela União Europeia, entre outros.

E todos esses desastres levados a cabo pelos governos neoliberais, ao contrário de promoverem a competição e a eficiência prometidas, têm levado aos nossos países a uma concentração ainda maior da riqueza nas mãos de poucos.

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