viernes 22 de noviembre de 2024
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A “Grande Estratégia” americana para o Século XXI

Rio de Janeiro (Observatório Internacional do Século XXI) Poucos países do mundo possuem o poder e a capacidade de formular e sustentar estratégias internacionais de longo prazo. São as “Grandes Potências”, que nunca foram mais do que cinco ou seis através de toda a história do sistema interestatal criado pelos europeus.

Por José Luís Fiori

São Estados nacionais que possuem burocracias civis e militares sólidas e meritocráticas, com apoio social, e unidas por um consenso básico em torno à definição de seus grandes objetivos nacionais e internacionais.

Um consenso que permite ordenar e sustentar decisões, de médio e longo prazos, independentemente da alternância de partidos e da mudança de governos, são as chamadas “Grandes Estratégias”.

Traçadas para períodos de uma, duas ou três décadas, têm poder suficiente para impactar e condicionar o desenvolvimento e as transformações de todo o sistema internacional, a partir de seus próprios “interesses nacionais”.

A começar, neste momento, pelos Estados Unidos, que continuam a ser o país mais rico e poderoso do “sistema interestatal” e que seguem impondo (de uma forma ou de outra) sua presença e suas regras de arbitragem em grande parte do mundo, pelo menos até onde se estendem as fronteiras do seu império militar global.

Logo após o colapso da União Soviética, em 1991, veio a público um relatório produzido por um grupo de trabalho criado pelo presidente George W. Bush e coordenado por seu secretário de Defesa, Dick Cheney, com o objetivo de definir os novos objetivos e metas dos Estados Unidos para o século XXI.

Desde então, este documento -“Defense Planning Guidance,1994-1999”- transformou-se na bússola da política externa do partido e dos governos republicanos. E o que ele propunha como objetivo central era assegurar a “primazia mundial” dos Estados Unidos no século XXI -chamado de “Século Americano”- impedindo o surgimento de outras potências, em qualquer latitude, que pudessem ameaçar seu “poder global”, a partir de uma posição de força, pragmática, realista e pouco ideológica.

Na mesma década de 1990, durante o governo de Bill Clinton, o Partido Democrata também redefiniu sua política externa, assumindo como sua bandeira a ideia do “fim da história” e da vitória definitiva dos valões liberal-cosmopolitas, do mercado, da democracia, dos direitos humanos e da globalização econômica.

Uma posição fortemente ideológica e missionária com relação ao “resto do mundo” situado fora da cultura americana e da civilização europeia, justificando, a partir daí, que os Estados Unidos tomassem a iniciativa de intervenções militares e guerras que fossem “humanitárias”, ou seja, fossem travadas em nome da defesa e da difusão da tábua de valores “ocidentais”.

Nesta linha, em 1997, Zbigniew Brzezinski, estrategista democrata que fora assessor do governo de Jimmy Carter, publicou o livro The Grand Cheessboard: American Primacy and the Geostrategic Imperatives (New York: Basic Books), no qual sintetizou esses novos objetivos de longo prazo dos herdeiros de Woodrow Wilson, Theodor Roosevelt e John Kennedy.

Assim mesmo, apesar de suas divergencias táticas, o objetivo último de democratas e republicanos segue sendo rigorosamente o mesmo: a manutenção da supremacía mundial dos Estados Unidos, durante o século XXI, contra toda e qualquer força ou país que possa ameaçá-la.

Foi em nome desse objetivo comum que o governo democrata de Bill Clinton tomou a decisão de expandir a OTAN em direção ao leste da Europa, para impedir o ressurgimento da Rússia; como também foi decisão do governo Clinton envolver a OTAN no bombardeio da Iugoslávia, em 1999, sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Logo em seguida, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, sucederam-se as “guerras sem fim” dos Estados Unidos e da OTAN no “Grande Oriente Médio”, iniciadas por governos republicanos, mas mantidas pelos governos democratas. E foi em nome dessa mesma estratégia de contenção global que os norte-americanos iniciaram sua operação de mudança de governo da Ucrânia, em 2014, que acabou envolvendo os Estados Unidos e a OTAN numa guerra com a Rússia, intermediada pelas forças da Ucrânia.

A partir de 2017, entretanto, as divergências entre republicanos e democratas aumentaram, com a nova política externa do governo republicano de Donald Trump, mesmo quando seu objetivo último seguisse sendo o mesmo.

A nova “doutrina estratégica” da administração Trump renunciou à ideia de uma hegemonia ética, moral ou cultural norte-americana e optou por uma perspectiva realista de exercício pragmático e agressivo do poder militar e econômico dos Estados Unidos, sem apelo a valores universais e sem querer converter o resto da humanidade aos valores norte-americanos.

Ao mesmo tempo, o governo republicano de Donald Trump criticó a globalização econômica dos governos democratas dos anos 90, e denunciou sem peias as instituições multilaterais criadas depois da Segunda Guerra, que ele considerava ultrapassadas e desacreditadas, incluindo a ONU e a OTAN.

Depois da fracassada tentativa de reeleição de Trump, como se fosse numa “gangorra”, os democratas de Joe Biden voltaram ao governo já sem ilusões com relação à utopia da globalização econômica, porém mais convencidos do que nunca da obrigação de os EUA seguirem comandando urbe et orbi a missão civilizatória e

catequética de propagação da democracia e dos valores culturais euro-americanos, ao lado de seus aliados da União Europeia e da OTAN.

Colocaram-se na linha de frente na luta contra os povos, culturas e civilizações que questionassem a hegemonia ética e cultural do Ocidente.

Em 2025, Donald Trump volta ao governo dos Estados Unidos, e deve retomar de forma ainda mais firme e decidida os objetivos e propostas de seu mandato anterior. Deverá, entretanto, ter apenas um mandato de quatro anos, e o mais provável é que a luta interna das elites americanas se mantenha e até aumente de intensidade. Mas quaisquer que sejam os desdobramentos dessa disputa, uma coisa é certa: os EUA não abdicarão voluntariamente do poder global que já conquistaram e não renunciarão à sua expansão futura.

A política externa das grandes potências globais tem uma lógica própria, e por isso os EUA deverão seguir aumentando sua capacidade militar de forma contínua, mesmo que a administração Trump logre desativar o envolvimento americano com as guerras da

Ucrânia e da Palestina. Mais do que isto, a velocidade dessa corrida armamentista deverá aumentar nos próximos anos, na medida em que se aproxime a hora da ultrapassagem tecnológica da economía americana pela economia chinesa.

Uma espécie de “linha vermelha” que poderá ser ultrapassada na década de 2030. Após 2030, entretanto, se não houver uma guerra mundial, provavelmente atômica, é possível que a estratégia republicana, mais pragmática e realista, associada à figura de Donald Trump, acabe se impondo como um modus convivendi inevitável entre Estados Unidos, China, Rússia e India.

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