Por David Brooks e Jim Cason
Recentemente, o governador republicano anti-imigrante do Texas, Greg Abbott, ordenou o envio da Guarda Nacional (geralmente os governadores comandam as tropas dessa força militar em seus estados) para San Antonio, depois que organizadores anunciaram marchas nessa cidade e em Houston.
A Casa Branca concentrou a atenção nas imagens das bandeiras mexicanas nessas marchas e comícios de protesto. “O que vimos acontecer em Los Angeles, Califórnia, nos últimos dias é vergonhoso. Radicais de esquerda, erguendo bandeiras estrangeiras, atacaram selvagemente agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), da Patrulha de Fronteira e também policiais de Los Angeles”, declarou na última quarta-feira (11) a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt. “Esses ataques foram dirigidos não só contra as forças de segurança pública, mas contra a cultura e a sociedade estadunidenses.”
Em suas redes sociais, o assessor presidencial -e arquiteto das medidas anti-imigrantes da Casa Branca- Stephen Miller escreveu que as bandeiras são evidências de que “Los Angeles é território ocupado”. O vice-presidente, J.D. Vance, acrescentou que “os insurretos portando bandeiras estrangeiras estão atacando oficiais de controle migratório”.
Por sua vez, comentaristas liberais também se somaram ao debate sobre símbolos nacionais, argumentando que manifestantes que hasteavam a bandeira mexicana estavam prejudicando o esforço para derrotar o presidente dos EUA, Donald Trump. “Quando vejo ativistas portando bandeiras mexicanas ao desafiar as batidas do ICE em Los Angeles, penso em duas possibilidades: esses ‘manifestantes’ estão tentando deliberadamente criar imagens que ajudarão Trump, ou têm boas intenções, mas são dissidentes ingênuos que, inadvertidamente, estão alcançando esse mesmo objetivo”, escreveu o colunista David Ignatius, do Washington Post. Dan Gooding, repórter de assuntos políticos da Newsweek, escreveu que “as fotos da bandeira mexicana são um presente para Donald Trump”.
As fotos das bandeiras mexicanas e dos carros incendiados foram utilizadas por grande parte da cobertura midiática sobre a situação em Los Angeles, mas moradores locais contestam essa versão dos fatos. “Tenho orgulho de ser estadunidense, mas nestes tempos, ser californiano é o que me dá orgulho: ver a diversidade aqui, ver que muita gente não esqueceu suas raízes”, comentou Bonnie Garcia, de 32 anos, estadunidense nascida em Los Angeles, que levava consigo uma bandeira mexicana e outra guatemalteca, representando os países de origem de seus pais.
Em entrevista ao New York Times, disse: “Sinto que Trump teme a diversidade e teme a representatividade nos rostos das pessoas, porque ele não quer que as pessoas tenham memória, quer nos apagar -e eu não vou tolerar isso”.
María Flores, de 52 anos, mexicana, integrante do Sindicato Internacional dos Trabalhadores da Alimentação e do Comércio (UFCW), que obteve a cidadania estadunidense há mais de 20 anos, disse ao Times que costuma carregar tanto a bandeira estadunidense quanto a mexicana, mas que optou por levar apenas a mexicana aos protestos. “Carrego a bandeira por mim e por todos os que não têm documentos. Falo por eles, sou sua voz.” O professor Raúl Hinojosa-Ojeda, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, declarou à CNN que as bandeiras são “um mecanismo de orgulho e identidade que está sob ataque”.
No entanto, persiste um debate entre latinos e outros sobre se os símbolos de outro país ou outras bandeiras não estadunidenses em protestos que contestam políticas no país causam mais dano do que benefício no debate nacional. Esse debate não é novo e tem se repetido em grandes mobilizações anteriores sobre temas de migração.
“Nos Estados Unidos, alguém pode desfilar pela avenida principal hasteando uma bandeira da Confederação -a bandeira da rebelião armada contra os Estados Unidos- e nenhum agente federal virá atrás de você, podendo até ganhar uma piscadela do seu deputado republicano”, escreveu o comentarista Cliff Schecter na plataforma Substack.
Aliás, neste país, bandeiras irlandesas tremulam em frente a pubs e bairros historicamente irlandeses, assim como bandeiras italianas em frente a restaurantes por todo o território. O La Jornada observou bandeiras israelenses nos corredores e escritórios de legisladores nos prédios do Congresso dos Estados Unidos sem que ninguém questione a lealdade desses políticos -mesmo em meio a distúrbios civis ou brigas em estádios esportivos.
“A aposta de Trump de fazer das bandeiras o foco segue um roteiro previsível”, escreveu o jornalista Julio Ricardo Varela na MSNBC. “A diferença é que aqueles que erguem as bandeiras sabem como isso termina. Já viveram isso antes e ainda estão aqui, protestando com orgulho (e reivindicando) de onde vêm e garantindo que suas vozes não sejam apagadas. Eles entendem que esses protestos não se tratam de lealdade a outro país, mas sim de declarar este espaço como seu.”
Outros comentam sobre a ironia de acusar a bandeira mexicana de ser “estrangeira” em Los Angeles. “A bandeira mexicana não é mais ‘estrangeira’ ao Povo de Nossa Senhora Rainha dos Anjos do Rio de Porciúncula do que os Dodgers, os Raiders, o Coliseu, as pupusas, Kendrick Lamar, o churrasco coreano, a praia, Hollywood ou os Lakers”, afirmou Ian Bautista em um comentário no Bluesky.
Na última terça-feira (10), a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, acusou a presidenta Claudia Sheinbaum de incentivar ações de protestos violentos em Los Angeles, enquanto aliados influentes de Trump fomentam mais ataques contra a governante mexicana.
“Claudia Sheinbaum saiu para incentivar mais protestos em Los Angeles e eu a condeno por isso… Ela não deveria estar incentivando os protestos violentos que estão ocorrendo”, declarou Noem ao lado de Trump na Casa Branca, enquanto advertiam sobre a adoção de medidas mais duras de repressão contra protestos violentos nessa e em outras cidades do país, incluindo Washington.
Noem enfatizou que o presidente tem toda a autoridade constitucional para enviar a Guarda Nacional com o objetivo de proteger as operações e o pessoal federal em suas atividades “sem medo de serem feridos ou mortos, ou de não serem respeitados, e para que possam voltar para suas famílias todas as noites”.
Essas declarações foram feitas um dia após o influente comentarista ultraconservador e trumpista Charlie Kirk (com 3,4 milhões de seguidores no YouTube e voz proeminente do canal direitista Turning Point) afirmar que Sheinbaum representa uma ameaça maior para os Estados Unidos do que Vladimir Putin, e acusar o México de estar “declarando uma insurreição” contra os EUA, “hasteando a bandeira mexicana”.
Ele recomendou ataques com mísseis contra os cartéis e afirmou que o México é “um país conquistado”. Acrescentou: “Eu a advirto, senhorita Steinbaum (sic), estamos com raiva. Você não tem cartas na mesa. Vocês são um país do Terceiro Mundo, desprezível… é melhor que se calem e que digam aos seus ativistas da La Raza que também se calem, ou então não vão gostar do que virá como resposta”.
Repetidamente, aliados e simpatizantes de Trump, defensores de sua repressão, têm destacado as bandeiras mexicanas presentes nas manifestações e marchas em Los Angeles, com muitos repetindo: “Se estão tão orgulhosos de serem mexicanos, por que não voltam para lá?”
Os protestos contra a repressão e as rondas anti-imigrantes exigem a libertação dos detidos, incluindo um líder sindical, além da retirada dos agentes migratórios em Los Angeles e outras cidades com grandes comunidades migrantes.
Em 6 de junho, o presidente estadual do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços (SEIU, na sigla em inglês) na Califórnia, David Huerta, foi violentamente detido em Los Angeles enquanto observava os protestos contra as rondas do ICE. Depois, acabou hospitalizado. A ação provocou uma forte resposta de sindicatos nacionais e agrupamentos comunitários, que se manifestaram em mais de 30 protestos pelo país desde 9 de junho.
“Queremos David Huerta livre, e queremos que as rondas do ICE sejam paradas agora”, declarou Jaime Contreras, líder do SEIU na região de Washington.
Gritos de “Libertem David agora” e “parem as rondas do ICE”, além de alguns em espanhol como “El pueblo unido jamás será vencido” e “Basta ya”, foram ouvidos em frente à sede do Departamento de Justiça na capital dos EUA.
“Nosso país sofre quando trabalhadores que vêm aqui para contribuir com nossa economia e nossas comunidades são atacados apenas por tentar construir uma vida melhor para suas famílias”, declarou Liz Shuler, presidenta da central sindical nacional AFL-CIO, integrada por sindicatos que representam cerca de 15 milhões de trabalhadores. “Não deixaremos ninguém para trás. Estaremos aqui… até que libertem nosso irmão David, até que acabem com essas rondas do ICE que não estão fazendo nada além de destruir nossas comunidades.”
Embora as reações iniciais contra as rondas e a repressão tenham sido lideradas por imigrantes, Contreras, ele próprio imigrante de El Salvador, destacou: “Não se trata apenas das comunidades migrantes, todos estamos sob ataque por este presidente”. Essa mensagem foi reforçada por outros líderes sindicais presentes no comício em Washington, representando uma ampla gama de trabalhadores. Os oradores incluíram líderes nacionais dos dois sindicatos de professores -cada um representando mais de 2 milhões de membros-, dirigentes do sindicato dos trabalhadores do setor público representando outros 2 milhões, além de várias organizações comunitárias influentes da região.
Em Los Angeles -onde se realizava o quarto dia de protestos contra as rondas anti-imigrantes e contra o envio da Guarda Nacional-, líderes sindicais e de direitos civis lideraram um comício com milhares de pessoas no centro da cidade, exigindo a libertação de Huerta e denunciando as medidas repressivas de Trump contra imigrantes em sua cidade.
Em Boston, manifestantes empunhando bandeiras dos Estados Unidos ouviram oradores alertarem sobre os perigos da agenda de Trump para a economia e para todos os trabalhadores, imigrantes ou não, e até mesmo para a própria Constituição.
Em Chicago, centenas de manifestantes se reuniram em frente aos escritórios federais em um comício liderado pela Coalizão de Direitos dos Imigrantes e Refugiados de Illinois. “Separar pais de seus filhos à força, sequestrar pessoas, a Guarda Nacional patrulhando nossas comunidades como se fôssemos os agressores. Esta é uma guerra por nossa dignidade, e dignidade não se negocia”, declarou o deputado federal Jesús “Chuy” García.
Em Nova York, em um comício ao lado da prefeitura -cujo ocupante democrata está em dívida com Trump por o indultar com acusações de corrupção-, centenas de membros do SEIU e seus aliados, com cartazes afirmando que “os imigrantes são essenciais”, ouviram líderes sindicais da cidade denunciarem a detenção de Huerta.
“Mexeram com o sindicato errado, agora vão descobrir com quem estão lidando”, afirmou um organizador sindical. O líder da central sindical da cidade, composta por 300 sindicatos com um total de um milhão de membros, garantiu -como os demais oradores- que o ataque contra os imigrantes é um ataque contra todos.
Outros oradores repetiram: “Não ficaremos em silêncio”. “De Los Angeles a Nova York, protegeremos os imigrantes porque são a espinha dorsal do nosso país”, afirmou Adrienne Adams, presidenta do Conselho Municipal de Nova York.
Representantes do sindicato dos trabalhadores da comunicação, da indústria automotiva, da histórica organização sindical judaica Workers Circle e da Coalizão de Imigrantes de Nova York, entre outros, comprometeram-se com a luta contra a agenda anti-imigrante e anti-trabalhador de Trump.
A presidenta nacional do SEIU -composto majoritariamente por imigrantes-, April Verrett, declarou que sua entidade defende os direitos, a dignidade e a segurança no trabalho dos trabalhadores. “Imaginem como se sente um trabalhador, entre milhares por todo o país, ao ser atacado por homens mascarados e armados, ou ao ver seus colegas sendo presos, sabendo que talvez seus filhos nunca mais os vejam.”
Em 9 de junho, Huerta foi enfim liberto em Los Angeles mediante o pagamento de fiança de 50 mil dólares. Ele é acusado de “conspirar para interferir com um oficial durante uma manifestação”, um crime grave que pode acarretar uma pena máxima de 6 anos de prisão caso seja condenado em um eventual julgamento.